Quando você diz que está indo visitar um lugar nos Cáucasos, as pessoas acha que você enlouqueceu. Quando você diz que este lugar fica no coração da discórdia entre Rússia, Chechênia, Ossétia do Norte e Geórgia, as pessoas têm certeza que você enlouqueceu. Quando você diz que este lugar é a Ingushétia, famoso pelos conflitos e zonas militares, as pessoas tentam embutir um pouco de bom senso na sua cabeça e pedem para você não ir. Quando você mostra as fotos da viagem, todo mundo pergunta o que eles precisam fazer para visitar este lugar inesquecível.
Visitar a Ingushétia é simples e complicado, como tudo na Rússia. Simples porque o voô é curto e você só precisa de um visto especial para as zonas militares. Complicado porque não é fácil achar quem voe para lá e quem faça o tal visto para você.
Em setembro do ano passado (sim, este post está meeeeeeega atrasado), eu fui convidado a participar de uma excursão organizada pelo grupo Akropol, que pertence ao senador da região. O objetivo (alcançado) era mostrar o potencial turístico da região. Eles cuidaram dos vistos, da hospedagem e do transporte. Mas a aventura foi completa mesmo assim.
Logo depois de desembarcar no aeroporto de Magás, capital da Ingushétia, seguimos para Karabulak, onde visitamos o haras Argamak. Nunca imaginei que num lugar tão remoto estariam tantos cavalos vencedores de torneios pelo mundo a fora.
Dali, seguimos para Nazran, onde fica o Memorial da Ingushétia. O memorial é um combinado de monumentos bem variados, importantíssimos para a região e essenciais para gente desinformada como eu. Dois monumentos roubara a minha atenção.
O primeiro é dedicado à história da Divisão Selvagem. Em 1915, 500 homens, armados somente com espadas e espingardas, atacaram e extinguíram a famosa Divisão de Ferro alemã. Em uma hora e meia, mataram 4500 soldados, feriram 2500 e prenderam outros 3500. Nada mal.
O segundo monumento me impressionou pela simplicidade e pela força com que ele mostra o sentido da palavra opressão. Nada além de torres típicas da região (vou falar mais a esse respeito daqui a pouco) enrolada em arame farpado. Lindo.
E foi neste local histórico que eu fiquei sabendo que o meu visto não tinha sido aprovado. Disseram que para alemães o processo não é tão simples, dado o histórico de inimizade entre as nações. Qualquer pessoa normal teria feito meia volta e pego o primeiro voô para Moscou. Eu resolvi aceitar a sugestão do nosso guia e cruzar a zona militar ilegalmente.
Quanto mais nos aproximávamos da fronteira, mais tanques e blitz na rua. A idéia começou a soar meio complicada quando resolveram fazer um visto novo, como se eu fosse um especialista em construção de lifts para estações de esqui. E ficou ainda mais complicada quando resolveram que eu deveria simplesmente deitar atrás do último banco da van e torcer para que os militares não me vissem (já estava escuro). Deitado e com o rosto coberto, ouvi a discussão na fronteira. Depois de muito “Promete que não vai ter problema?” daqui e muito “Fica tranquilo” de lá, deixaram a van passar.
Ao chegar no hotel, uma coisa engraçada aconteceu: eu fui o primeiro estrangeiro que a recepcionista viu na vida. Não cansou de perguntar como era a vida fora dali, etc. Fomos para o quarto e, como estava escuro, não dava para ver a vista do quarto.
No dia seguinte de manhã, a Ingushétia começou a mostrar um pouco da sua belezas. A varanda do quarto dava para um vale praticamente intocado, cheio de cachoeiras e torres típicas da região. Para deixar as coisas ainda melhor, me deram uma Land Rover novinha para dirigir durante o dia.
A primeira parada foi na cachoeira de Lyajgui. Linda (como qualquer cachoeira intocada). Dali seguimos para as torres de Erzi, Vovnushki, Alhba-Erdy e Eguikal. Estas torres são o cartão-postal da Ingushétia. Literalmente. São construções de pedra que simbolizam que ali vive uma família. Elas servem para várias coisas: habitação, estoque, vigilância e honra. Isso mesmo: honra.
Existe uma única lei a ser seguida. Se a sua família requer autorização para contruir uma torre, você tem 365 dias para concluir a obra. Se não conseguir, você tem que parar de construir e a torre fica lá, para sempre, como um monumento à sua falta de palavra. Já pensou se isso valesse para as obras no Brasil?
Independente disso, as torres são lindas e não contrastam com a natureza ao redor. Cercadas por montanhas similares às Dolomitas, as torres parecem pertencem à paisagem. Algumas delas inclusive foram construídas diretamente na rocha.
E foi ali que a aventura recomeçou. Estava escalando a pedra para tirar uma foto quando nosso guia começou a gritar “Militsia! Militsia!” (Militares! Militares!). Você deve lembrar que eu não tinha o visto necessário e estava dirigindo um carro que não pertencia a mim. Pois é. Saímos correndo para os carros e nos mandamos dali, cruzando rios e inventando rotas (veja aqui).
A última parada da viagem foi no templo de Thaba Erdy, o primeiro tempo Cristão da Rússia (veja aqui). O simples fato de o templo estar em pé já é impressionante. Afinal, ele foi construído no século VIII e resistiu ao tempo, ao Comunismo e à Igreja Ortodoxa. Milagre?
Depois de dois dias rodando a região, chegou a hora de voltar para Moscou. E isso inclui cruzar a zona militar de novo. Dessa vez a solução foi bem brasileira: enchemos a van de gente, entregamos todos os vistos juntos e o guia falou “A gente está com pressa. Quebra essa, por favor?” Quando a cancela subiu, descobri que nossos povos tem mais uma coisa em comum.
A Ingushétia foi uma aventura inesquecível. Se você tiver coragem ou meios para conhecer a região, não pense duas vezes. As recompensas compensam em muito os possíveis riscos.
Meu agradecimento especial ao nosso guia e companheiro Salman Dzangiev pela atenção, pela paciência, pelo bom humor e por ter feito esta viagem possível.
:)
When you tell people you are going to visit a place in the Caucasus, people think you went crazy. When you tell them the place you’re going to is right in the heart of the discord between Russia, Chechen, North Ossetia and Georgia, people are pretty sure you went mental. When they find out you are going to Ingushetia, they try to put some sense in your head and beg you not to go. But when you show them your pictures, they all ask what they must do in order to visit such incredible place.
Visiting Ingushetia is easy and complicated at the same time, like everything in Russia. Easy because it’s just a short flight away, and all you need is a special visa for the military zones. But it’s complicated because not many companies fly there, and it’s not easy to get the visa.
Last september (yes, this post is beyond late), I was invited to take part in an excursion organized by the Akropol group, which belongs to the region’s senator. The (achieved) goal was to show us the region’s potential for tourism. They took care of the visas, the accommodation and the transport. But the adventure was yet to come.
Soon after we landed in Magas, the capital of Ingushetia, we headed to Karabulak, where we visited the Argamak haras. I never thought I’d see such horses in such a remote place. They were all award winning, show stopping pure breed horses.
From there, we went to Nazran, where the Ingushetian Memorial is located. The memorial is a collection of monuments that celebrate important achievements of the region. An honor for the locals and a great way to learn a lot for ignorants like me. Two monuments stole my attention.
The first one was dedicated to the Wild Division. In 1915, 500 men, armed with nothing but swords and rifles, attacked and eliminated the famous Iron Division from Germany. In one and a half hour, they killed 4500 soldiers, hurt another 2500 and arrested the remaining 3500. Sparta, anyone?
The second monument impressed me due to its simplicity and how clearly it conveys the meaning of the word “oppression”. A couple of typical towers (I’ll talk about them later) trapped in barbed wire. Beautiful.
It was at this unforgettable site that I found out that my visa hadn’t been approved. They told me that for german citizens the process is not that simple due to historical animosity between the two nations. Any reasonable person would have taken the first flight back to Moscow. I decided to accept our guide’s suggestion to cross the military zones illegally.
The closer we got to the border, the more tanks and control stations we saw. Our guide’s idea started to sound a little risky when they decided to make me a new visa, as if I was a specialist in ski lifts construction. Then, it got really risky when they told me I should just lie down behind the back seat and hope the guards wouldn’t see me (it was dark already). Lying and with my face covered, I overheard the discussion at the border. After a lot of “Promise it won’t get me in trouble?” and a lot of “Don’t worry.”, they allowed the van to go through.
Once we got to the hotel, another funny thing happen: I was the first foreigner the receptionist had ever seen. She kept asking what life was like in Brazil, etc. After that, we retired to our rooms. It was still dark, so we couldn’t the view from the window.
When we woke up the next day, Ingushetia started showing a bit of its beauty. The room’s balcony faced an amazing valley, full of waterfalls and typical towers. To make things even better, they gave me a brand new Land Rover to drive during the day.
The first stop was at the Lyajgui waterfall. Breathtaking (as every untouched waterfall should me). From there we went to the towers of Erzi, Vovnushki, Alhba-Erdy and Eguikal. These towers are the symbol of Ingushetia. Literally. Each one of these rock towers represent a family. They serve multiple purposes: housing, stocking, protection, and honor. That’s right: honor.
There’s only one law to be followed regarding the construction of a tower. If your family requested the right to build one, you have 365 days to build it. If you can’t finish in time, you must leave the tower as is, and the tower will be forever a monument to your shame, to the fact that you didn’t honor your word. Can you imagine what would happen if they passed a law like this in Brazil?
Despite the interesting background, the towers are extremely beautiful and do not contrast with the nature around them. Surrounded by mountains similar to the Dolomites, they seem to be belong to the landscape. Some of them were even build directly over the rocks (click here).
Next to this beautiful construction, the adventure restarted. As I was climbing the rock to get the picture you just saw, our guide started shouting “Militsia! Militsia!” (Soldiers! Soldiers!). As you probably recall, I didn’t have a visa and was driving a car that didn’t belong to me. So... We ran, jumped in the car and got away as fast as we could, crossing rivers and creating our own roads (here).
When we felt that the coast was clear, we made our way to Thaba Erdy, the first christian temple in Russia (here). The simple fact that it’s still standing is a miracle. After all, it was built in the 8th century and resisted time, Communism, and the Orthodox Church.
After 2 days in the region, it was time to go back to Moscow. And that meant crossing the military border again. This time the solution was very “Brazilian”: we filled the van with people, handed all 11 passports and visas (mine not included) and told the border guard “Man, we’re in a hurry to get to the airport. Could you just let us through?” When I saw him opening the gates, I realized our people have yet one more thing in common.
Ingushetia was an unforgettable adventure. If you have the guts or the means to go there, don’t think twice. The guaranteed rewards by far outweigh the possible risks.
I’d like to express my deepest gratitude to our guide and friend Salman Dzangiev for his attention, patience, humor, and for making it all possible.
:)
1 comment:
Que demais esse lugar! Amei o post e as fotos!!! Bj
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